Resposta ao Artigo de Opinião: "Se você se sente ameaçado pela IA, você é um programador ruim."
- #Inteligência Artificial (IA)
Introdução
Em seu livro The Black Swan: Second Edition: The Impact of the Highly Improbable: With a New Section: "On Robustness and Fragility", o autor Nicholas Nassim Taleb discute os riscos de ignorar eventos altamente improváveis. Assumimos que amanhã haverá sol, porque ontem e anteontem também houve, mas, sob a ótica de empiristas céticos como David Hume, essa suposição é um equívoco.
O ponto que quero acentuar é que nunca ou jamais são intervalos de tempo insuficientes para validar a legitimidade de uma afirmação. O fato de algo não ter ocorrido no passado — como o low-code substituir o programador — não justifica pressupor que isso se manterá no futuro. Não há correlação comprovada. Assim, afirmar que a IA não substituirá o programador é uma premissa infundada.
Este ensaio é uma resposta ao artigo de opinião do usuário Mateus Oliveira, intitulado: "Se você se sente ameaçado pela IA, você é um programador ruim."
Engenharia de Software
No universo casual da programação, o iniciado muitas vezes encontra dificuldade em separar o todo da parte. Na prática, essa distinção é a diferença entre simplesmente escrever código e exercer a Engenharia de Software.
Em seu livro Software Engineering at Google: Lessons Learned from Programming Over Time, Titus Winters define Engenharia de Software como código através do tempo.
Observe como Titus, com base em sua experiência no Google, ressalta que a Engenharia de Software começa após o código estar pronto. Em IA Engineering, isso seria equivalente à manutenção dos dados e à avaliação contínua dos modelos. Trata-se do todo, da estrutura de sustentação. Assim como a velocidade média é apenas uma parte da Cinemática — e não sua totalidade.
Dialética
No livro O Banquete, Platão descreve como Sócrates debate com seus pares sobre a justiça. Em determinado momento, para que o diálogo avance, eles precisam definir claramente o significado de cada palavra. Isso implica estar na mesma página, evitando a desonestidade intelectual.
Afinal, na dialética socrática, o objetivo é aprender e expandir ideias — não vencer o oponente (razão pela qual escrevo esta resposta).
Dito isso, para fins deste ensaio, defino:
- Programador: alguém que escreve código, sem se ocupar de tarefas inerentes à Engenharia de Software.
- Programador ruim: aquele incapaz de solucionar um problema "X" sob certas circunstâncias, utilizando uma tecnologia previamente escolhida (por ele ou por seu contratante).
Críticas ao Artigo de Opinião
Artigos de opinião precisam de uma base argumentativa sólida e livre de falácias para manter a credibilidade. Em geral, isso se dá por meio de citações e referências. Se a premissa é falsa, todo o raciocínio que a segue também será comprometido.
Aqui estão os principais pontos em que discordo do texto de Mateus, pela ausência de evidências:
1. “No-code já existe há décadas. Ferramentas como WordPress, Webflow, Bubble, Wix — todas nasceram da ideia de tirar o programador da jogada. E adivinha? A profissão de programador não apenas sobreviveu, como cresceu absurdamente.”
As alegações são que:
- No-code foi criado para substituir programadores; e
- Isso não ocorreu.
Embora tal afirmação pareça intuitiva, sem dados concretos ela não constitui um objeto legítimo de análise, nem permite inferências sobre o futuro da tecnologia.
2. “A IA pode até criar pedaços de código, mas ela não entende os negócios, os contextos, as nuances que um programador entende.”
Quais contextos? Qual IA? Estamos nos referindo também a modelos capazes de realizar reasoning? É necessário delimitar. Vale notar, por exemplo, o desempenho de modelos de IA no desenvolvimento de código.
Fonte: https://arxiv.org/abs/2412.19437
3. “O programador do futuro não vai ser aquele que escreve tudo do zero.”
Como argumentado por Taleb, basear previsões futuras exclusivamente em eventos passados é um erro lógico. Sem evidências adicionais, tal afirmação carece de sustentação.
Minha Opinião
Estou ciente de que se trata de um texto opinativo, com as limitações próprias da falta de evidências. O problema reside na pressuposição de que certos pontos são "óbvios".
Minha preocupação maior é a confusão feita entre:
- O futuro da Engenharia de Software; e
- A prática inicial de simplesmente escrever códigos.
No artigo, observo simplificações excessivas sobre agentes de IA e a ausência de casos relevantes de uso — apesar de haver exemplos importantes disponíveis, como Claude Code, RAG, Devin, Cursor, entre outros.
Como diria Carl Sagan: "Alegações extraordinárias exigem evidências igualmente extraordinárias." Tal elemento não foi observado no artigo (entendo também que talvez não fosse o objetivo, mas seria necessário, caso se pretendesse transmitir credibilidade).
Mesmo sendo especialista, ao ler o texto, senti confusão e dúvidas em relação às alegações apresentadas. Como pesquisador, não aceitaria nenhuma afirmação sem respaldo. Minha preocupação é ainda maior em relação aos leitores iniciantes na área.
Por fim, reconheço que se trata de um texto corajoso, embora carente de fundamentação mais sólida. Com ajustes e evidências, poderia se tornar um trabalho forte e relevante.
Minha resposta é uma tentativa de estabelecer bases corretas para a formação do pensamento crítico. Outras inquietações ficaram de fora para manter o foco nos pontos que mais me chamaram atenção.
Essas palavras não configuram, em nenhum momento, um ataque pessoal ao autor Mateus Oliveira.
Atenciosamente,
CLL.