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Amanda Boza
Amanda Boza30/05/2023 16:38
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Além do "Black Mirror": Explorando as implicações da IoT através de uma análise de episódios

  • #IoT

Hi there ✨

Que a nossa realidade tem se tornado cada vez mais tecnológica, isso não é nenhuma novidade. O ser humano passa - cada dia mais - a maior parte do seu tempo vivendo em um mundo conectado. Nossas reuniões são feitas em salas on-line, nossos contatos são feitos por meio de dispositivos móveis, nossos contratos são assinados por meio digital e até mesmo nossos hobbies estão cada vez menos ligados a uma "corrida no parque". Então, não poderia ser diferente: a evolução tecnológica entrou de vez dentro das nossas casas.

E não é raro vermos a representação dessas conexões entre homem e maquina na arte: a série Black Mirror (criado por Charlie Brooker) é uma antologia que representa uma perspectiva realista e sombria do crescimento da interferência da tecnologia na nossa sociedade, fazendo projeções e análises profundas. E, um conceito que vemos desde o primeiro episódio é a IoT (ou “Internet das Coisas”).

E como podemos definir “IoT”. De acordo com o canal Código Fonte TV (2019):

A “Internet das Coisas” é uma revolução tecnológica que conecta itens usados no dia-a-dia à rede mundial de computadores com foco na transmissão de dados pela internet, rede dedicada, infravermelho ou bluetooth.

Ou seja, o conceito de IoT é conectar itens utilizados no nosso cotidiano, seja ele fixo ou móvel, em uma constante troca de dados, com a funcionalidade de definir funções para os objetos conectados! Sim, é muito amplo. Mas não é atoa que é chamado Internet das "Coisas". Essa ideia foi proposta por Kevin Ashton em 1999 no MIT, pois ele estava convencido que:

(...) a limitação de tempo e da rotina fará com que as pessoas se conectem à Internet de outras maneiras. Assim, será possível acumular dados do movimento de nossos corpos com uma precisão muito maior do que as informações de hoje (TechTudo, 2022).

E ele estava certo! Cada dia mais estamos dependentes da tecnologia para novas tarefas não antes imaginadas, sendo elas para nos ajudar na nossa rotina, executar tarefas tediosas de maneira mais eficiente, nos conectar a pessoas, melhorar nosso controle sobre nossa vida ou, até mesmo, a vida de outras pessoas. Tendo isso em mente, nesse artigo, vamos avaliar cinco tecnologias idealizadas em Black Mirror (uma de cada temporada), como ela se relaciona com o conceito de Internet das Coisas e suas problematizações.

Alerta: esse artigo contém spoilers! ⚠

1.     The Entire History of You: a introdução da IoT na antologia.

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“Em um futuro não muito distante, tudo o que é visto, feito ou dito fica gravado em um chip implantado no pescoço de cada pessoa. Um casal, um amante e uma história proibida do passado desafia a capacidade de armazenamento da memória artificial.”

No terceiro episódio da primeira temporada, lançado em 2011, somos apresentados ao “grão”: um chip implantado atrás da orelha de todos os seres humanos onde é armazenado todas as memórias dele durante a sua vida. O grão tem um centro de comando manual (um controle) e um centro de projeção ótico (lentes) que podem ser aparelhados a todos os tipos de dispositivos como televisores, celulares e carros. Essa tecnologia está tão intrínseca na sociedade apresentada no episodio que até mesmo a imigração utiliza das imagens do grão como parte da entrevista de visto.

A IoT está tão pertencente aquela realidade que – quando apresentada uma personagem que não tem o grão implantado por ter sido roubada, ela é tida como diferente. A escolha de viver sem a memória granular gera uma reação nos personagens similar ao que acontece atualmente se você revela que não tem um celular, por exemplo. O personagem principal desse episódio está tão acostumado a ter o controle de tudo na sua vida, reavaliando situações e revivendo momentos como telespectador da sua própria vida que, quando confrontam a situação de uma traição que não foi capaz de impedir, restando apenas as memórias que o lembram o que ele deseja esquecer, ele escolhe não tê-las e remove o grão.

A rede de dados contida pelo grão e redirecionada para projeção e compartilhamento de momentos com outras pessoas não foge do que vivemos hoje com as redes sociais. Compartilhamos cada momento quase que ao vivo, podendo ser assistido de qualquer lugar do mundo, desde que conectados. Com a ideia de conectividade, nossa vida está cada vez menos privada e mais dependente da tecnologia, uma vez que esse tipo de tecnologia foi criada para nos tornar adicto a ela.

2.     White Christmas: qual é o limite para a utilização de dispositivos de IoT?

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“Dois homens em uma área gélida e remota contam três histórias sobre descontroles tecnológicos durante uma refeição de Natal. Essas histórias acabam estranhamente se conectando.”

Esse episódio idealiza duas tecnologias muito interessantes: o Olho Z – um dispositivo ocular de controle rotineiro, utilizado para comunicação e sendo capaz de “bloquear” uma pessoa da sua realidade – e o Cookie, que iremos discutir.

O Cookie é um dispositivo que aloca os dados de um chip implantado no cliente, responsável por “absorver” a essência do comportamento daquele indivíduo e depois reproduzi-los. A personagem entra em contato com a empresa responsável por essa tecnologia pois precisa ter mais controle da sua rotina, e quem melhor que ela mesma para organizar suas tarefas? Após a extração, a memória inserida no cookie não consegue aceitar que é apenas uma cópia da sua própria versão na vida real, sendo até mesmo torturada até concordar trabalhar gerenciando a casa e agenda do seu “realself”.   

O mais curioso é que esse episódio foi lançado apenas um mês depois do lançamento da Alexa e dos alto-falantes inteligentes da Echo pela Amazon (dezembro de 2014) e as similaridades são chocantes. A Alexa funciona a partir de Skills Kit – um kit de habilidades que se adequam a necessidade do seu cliente, gerenciando tarefas relacionados a agenda, entretenimento e aparelhos a ela conectados. Toda sua concepção foi baseada na ideia de internet das coisas e a troca de dados para melhor prestação dos serviços ofertados. Nesse episódio é problematizado “até onde o ser humano explora a tecnologia para fazer a sua vida melhor, independente do resultado dessa utilização na vida de outras pessoas e, até mesmo, o resultado disso para a própria tecnologia.

Atual não?

3.     Hated by the nation: o risco da IoT.

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“Duas detetives investigam um assassinado relacionado à um escândalo nas mídias sociais. Elas fazem uma descoberta assustadora que dá uma pista inquietante sobre o caso.”

 

Esse episódio, na minha opinião, é o mais visceral de todos.

 

O episódio apresenta uma realidade onde a extinção das abelhas estava muito próxima, gerando uma crise ambiental sem precedentes. Porém, cientistas desenvolveram uma espécie de “abelha-robô” que desempenha o mesmo papel de uma abelha extinta: polinização. Ela funciona a partir de um sistema de navegação, baseado em reconhecimento rudimentar de objetos e estão todas conectadas entre si. Essa ideia, obviamente, é patenteada e gera milhões de dólares a empresa responsável pela manutenção dessas abelhas-robôs. Esses robôs se reproduzem em colmeias espalhadas por toda cidade, que funcionam como impressoras e rede de manutenção dessas máquinas.

 

Paralelamente é apresentado duas detetives que estão investigando casos de suicídio. Com o avanço da investigação, os eventos parecem estranhamente estar ligados a uma trend no Twitter, onde está funcionando um “Jogo de Consequências”: você utiliza a hashtag “#deathto” e o nome da pessoa que deseja “eliminar” e ela vai aparecer morta às 17h daquele mesmo dia. Um hacker utiliza das abelhas-robôs para cometer os assassinatos de pessoas que foram problematizadas na rede social por condutas imorais fazendo com que as abelhas entrem pelo ouvido da vitima e a torturando ao danificar a sua estrutura cerebral até a morte – ou fazendo que a vítima tire sua própria vida.

 

O grande plot twist desse episódio é: o hacker criou essa trend apenas para atrair os “juízes da internet” e cometer uma onda de assassinatos por meio das abelhas. No final do episódio 137 milhões pessoas sofreram do mesmo destino a qual desejaram para os outros. Tirando toda a questão social que envolve esse capítulo da antologia – sobre a nossa atitude nas redes sociais, desconsiderando os efeitos que ela causa na vida real, podendo discutir sobre um lado mais tecnológico: a quebra de segurança de um software.

 

Quando visitam a Granular, empresa responsável pelas abelhas-robôs, é afirmado que todas as abelhas, assim como o sistema que as operam sob protocolos militares de encriptação, quase impossíveis de serem hackeados e, mesmo assim, houve uma quebra de segurança através de um funcionário. Ele utilizou das abelhas para satisfazer sua sede de justiça contra o cancelamento virtual. Ao ter o controle do software da IDA (sistema de controle das abelhas), ele teve o controle de todas as abelhas robôs e também de colmeias.  

 

O principal ponto envolvendo a IoT nesse episódio que precisamos avaliar é a disposição da tecnologia e dos dados que estavam alocados nas abelhas-robôs e como facilmente foi utilizado para um propósito completamente diferente para qual ele foi criado e – utilizando de IMEI das vítimas e seu reconhecimento através de dados disponíveis em arquivos do governo por meio de cruzamento de informações. A pergunta que não quer calar é: com todas as nossas informações disponíveis na internet, estamos realmente seguros?

4.     Arkengel: as possibilidades geradas pela IoT e suas consequências.

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“Preocupada com a segurança da filha, Marie recorre a um dispositivo de última geração para monitorar sua localização e muitas outras coisas.”

Em questão de tecnologia, esse episódio traz muitas idealizações já vistas anteriormente ao decorrer da antologia, o que muda é sua forma de utilização e os resultados que ela traz para os personagens. Uma mãe, com medo quase que patológico de perder a filha, contrata o serviço de uma empresa de tecnologia que implanta um chip no cérebro da criança e transmite absolutamente tudo que é visto para um tablet que fica em posse da mãe. Nesse tablet, a mãe tem acesso a uma série de ferramentas que a possibilita reduzir o acesso da sua filha a qualquer coisa que ela considera ofensivo e também é possível rastrear onde a criança se encontra.

Toda a questão problematizadora desse episódio está na discussão entre proteção preventiva e proteção excessiva. Por meio de um filtro de realidade, a mãe consegue bloquear a filha de ver qualquer coisa que considere perigoso, desde drogas até o latido de um cachorro. Por mais que considere estar fazendo o que acha correto, o episódio mostra o resultado dessa privação: a criança – ao se tornar adolescente – não tem a real percepção do mundo e tem problemas de relacionamento ao ser excessivamente vigiada e controlada pela mãe.

E essa não é uma tecnologia ausente da nossa realidade. Todos os aplicativos hoje contam com uma versão de controle paternal para privar as crianças de verem conteúdos fora da sua faixa etária, sendo esses dados cruzados e disponibilizados para os pais em diversos dispositivos (IoT novamente, meus caros). Assim como é possível saber onde seu filho se encontra via gps ou dispositivos de rastreamento tais como as AirTags. Com a internet como um risco as nossas crianças e sua integridade, qual seria a solução para protege-las?

5.     Smithereens: os dispositivos baseados no conceito de IoT são um risco?

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“Um motorista de Londres dá início a uma crise internacional ao sequestrar um funcionário de uma empresa de redes sociais.”

 

Essa história é a mais próxima da nossa realidade que temos na série. Um motorista de aplicativo sequestra um funcionário de uma empresa chama Smithereens, que seria o equivalente ao Instagram. O objetivo do sequestrador é trocar a vida do funcionário por uma ligação com o CEO e responsável pela criação do aplicativo. Durante todo o episódio, nos questionamos o motivo pelo qual ele fazer esse pedido, uma vez que parece muito perturbado e atormentado.

Com o desenvolvimento da história, entendemos que ele perdeu a namorada em um acidente de carro causado pelo seu vício nas redes sociais. Durante uma viagem que fazia com ela, ele se distraiu com a notificação do aplicativo e ficou distraído ao volante, gerando um acidente que matou a namorada. Perturbado – pois ninguém sabia que ele havia causado o acidente – ele cria o plano de ligar para o criador e compartilhar da culpa que sente, a fim de tentar mudar o sistema.

Porém, ao conversar com CEO, entende que esse vício é proposital e mesmo se importar com a opinião do chefe da empresa, considera seu papel feito ao alerta-lo do perigo que é seu aplicativo. O próprio personagem alerta sobre a diminuição dos valores causados pela rede social, onde tudo parece ter um valor menor. Como a vida da namorada dele, que foi perdida, foi logo esquecida pelos tabloides que tinham outras coisas para compartilhar e pelas pessoas que tinham outras notificações para ler. O próprio autor da série explicou sobre o ponto central do episódio:

 

Este foi o dia mais importante da vida de Chris e, provavelmente, da vida de Jaden também“, explicou Brooker. “Há um enorme drama para eles e para todos nesse campo. E, no entanto, para o resto do mundo, é apenas mais uma notificação… mais uma coisa para olhar e seguir em frente com o resto do dia. Tudo está sendo reduzido ao nível de um pop-up.”, destacou. (NARCISO, 2019)

 

Por mais que esse episódio tenha o conceito de IoT mais fraco entre todos, pois apenas representa a ponta de um dos dispositivos conectados, é nele que vemos a maior consequência de viver a nossa vida totalmente conectados. O excesso de estímulos e compartilhamento de dados está nos tornando insensíveis?

___

Ufa, acho que foi isso!

Espero que tenham gostado dos pontos que abordei e eles o tenham feito refletir sobre como a IoT está intrinsicamente envolvida na nossa vida. Nem todos os episódios acima são os meus favoritos (USS Callister merece menção honrosa), mas com certeza foram os que melhor abordaram o conceito de IoT ou trouxeram problemáticas ligadas a ela.

E aí, algum desses episódios é o seu favorito?

Nos vemos no próximo artigo 💻

___

Referências bibliográficas:

BARRETO, Gustavo. Black Mirror S02E04 – White Christmas, Acessado em 30 abr. 2023. Acesso em: <https://alemdoroteiro.com/2017/03/28/black-mirror-s02e04-white-christmas/>


CARNEIRO, Raquel. “Arkengel”, as neuras maternas no limite da obsessão. 2017. Acessado em 30 de abr. 2023. Acesso em: https://veja.abril.com.br/cultura/arkangel-as-neuras-maternas-no-limite-da-obsessao


CÓDIGO FONTE TV. IoT (Internet das Coisas) // Dicionário do Programador. 2020. Assistido em 30 abr. 2023. Acesso em: <https://www.youtube.com/watch?v=qNHydTYkfcg&t=161s>
GALDINA, Nina. Hated In The Nation”, Black Mirror, sexto (e último) episódio da terceira temporada. Acessado em 30 abr. 2023. Acesso em: <https://ninaemsaopaulo.medium.com/tw-hated-in-the-nation-black-mirror-sexto-e-%C3%BAltimo-epis%C3%B3dio-da-terceira-temporada-n%C3%A3o-cont-1692e58f451b>
KOGUT, Patrícia. Sobre Entire History of You, episódio de Black Mirror. Acessado em 30 abr. 2023. Acesso em: <https://kogut.oglobo.globo.com/noticias-da-tv/critica/noticia/2015/12/sobre-entire-history-you-episodio-de-black-mirror.html>


NARCISO, Anderson. Black Mirror, 5ª temporada: o final de ‘Smithereens’ explicado. 2019. Acessado em 30 abr. 2023. Acesso em: <https://mixdeseries.com.br/black-mirror-5a-temporada-o-final-de-smithereens-explicado/>
TECHTUDO. Internet das Coisas: o que é, como funciona e exemplos de uso. 2022. Acessado em 30 abr. 2023. Acesso em: <https://www.techtudo.com.br/noticias/2022/10/o-que-e-internet-das-coisas-veja-como-funciona-a-iot-e-exemplos-de-uso.ghtml>
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Comments (3)
Carlos Junior
Carlos Junior - 27/06/2023 09:03

Excelente análise, gostei muito da comparação..

Amanda Boza
Amanda Boza - 30/05/2023 20:19

Obrigada Ygor! Mas sem chatGPT por aqui 😂


Tenho um mestrado em Sociologia Política e também já apresentei meus trabalhos de artigo no exterior. Tenho bastante intimidade com a escrita, mas estou voltando a escrever agora - depois de quase dois anos.


É sempre um prazer em compartilhar minhas análises e conhecimentos com vocês.

Ygor Doring
Ygor Doring - 30/05/2023 18:49

Carai... Tu escreveu em!! Ainda bem que tem o chat GPT né? kkk zua...