O armário do chefe morto e a cloud

Após a morte dele, o armário bege ocre morreu encostado na sala da gerência. Acredito que havia alguns pentabytes de dados registrados em celulose que ficou lá, por dois anos, úmidos e mofando, alguns documentos amarelados entre outros que o tempo arrancou a tinta. Suas sucessoras não tiveram a curiosidade de tocar no defunto e descobrir papéis da época da máquina de escrever, do fax, do telégrafo. 

Após um período de retenção daquele patrimônio histórico, no qual ninguém precisou de nada que havia lá, fui incumbida a efetuar a faxina administrativa dos papéis que estavam armazenados naquele “S3 Glacier Deep Archive” de madeira. Como uma recruta obediente, fui imediatamente cumprir as ordens, embora quisesse mesmo estar diante de uma Console de Gerenciamento da AWS.

Muitos passaram ao meu lado e me viram picar apenas papéis como uma criança no jardim de infância fazendo um mosaico.  Tudo depende do ângulo que você analisa a cena, isso é verdade, porque o que eles não poderiam imaginar era que aquele ser era pensante e filosofava sobre a trajetória do finado, sobre todo nosso trabalho feito durante meus dez anos de empresa e do meu futuro profissional. Quantos cartões de visita! Uns duzentos, acho. Imaginava ao descartar quantos encontros profissionais meu chefe teve e que aqueles frutos estavam sendo descartados. Quantos documentos escritos, quantas concordâncias verbais e nominais na frente de uma tela, quantos assuntos técnicos, quanta criatividade estava ali. Isso é alimento para minha transição de carreira. Não quero mofar como esses papéis, mas fazer a diferença em alguma empresa, promover a sustentabilidade com o uso da tecnologia, otimizando custo, com processos mais eficientes.

Há quase um ano decidi mudar de área e comecei ardentemente estudar tecnologia da informação, porque não quero mais tirar cópia das cópias que hoje estou picando. Não quero mais picar papéis, montar caixas de arquivo morto, apesar de ser grata por todo tempo e aprendizado, minha hora de renascer chegou.

Após aprender e entender os benefícios do Cloud Computing nas empresas, construí outro olhar para os papéis e ao picá-los tive a certeza que devo mesmo seguir em frente com meu projeto de transição de carreira.  Não quero mais sujar minhas mãos, mas configurar o lifecycle de um bucket S3 em alguma bigtech.