Cibersegurança: Conhecendo o Ethical Hacking
- #Segurança da informação
Introdução
Em um mundo cada vez mais conectado, a cibersegurança se tornou uma das maiores preocupações das organizações. Com o aumento exponencial de dispositivos conectados à internet e a crescente dependência de sistemas digitais, a exposição a ameaças cibernéticas nunca foi tão significativa. Nesse cenário de constantes desafios à integridade dos dados e à privacidade dos indivíduos, surgem os profissionais de cibersegurança e, dentre eles, o ethical hacker (white hat hacker).
O termo "hacker" frequentemente evoca imagens de indivíduos mal-intencionados que invadem sistemas e causam estragos. No entanto, existe uma contrapartida ética desse mundo subterrâneo, composta por especialistas altamente treinados cuja missão é proteger a segurança digital, identificando e corrigindo vulnerabilidades em sistemas computacionais antes que criminosos cibernéticos (black hat hacker) as explorem. Este é o universo do Ethical Hacking.
Neste artigo, faremos um overview do Ethical Hacking. Veremos um pouco de sua história, evolução e a importância crescente que desempenha em nossa sociedade cada vez mais digitalizada. Conheceremos as habilidades e qualificações necessárias para se tornar um ethical hacker, examinar as diferentes fases do processo de ethical hacking e conhecer algumas ferramentas e técnicas empregadas por esses profissionais. Além disso, abordaremos as complexidades éticas e legais que envolvem esse campo, destacando a necessidade de responsabilidade e integridade.
À medida que avançamos neste artigo, ficará claro que o ethical hacking não é apenas uma disciplina técnica, mas também um compromisso com valores éticos e uma contribuição vital para a cibersegurança global.
História do Ethical Hacking na Cibersegurança
O Ethical Hacking, também conhecido como "hacking ético", teve suas raízes nas primeiras décadas da computação. No entanto, sua formalização e reconhecimento como um campo legítimo da cibersegurança ocorreram muito mais tarde.
Podemos defini-lo como a prática de identificar e explorar vulnerabilidades em sistemas de computador e redes, com a permissão e com objetivos legítimos, a fim de avaliar e melhorar sua segurança. Os ethical hackers, também chamados de "white hat", empregam suas habilidades técnicas para encontrar brechas de segurança antes que hackers mal-intencionados (black hat) o façam.
Entre as décadas de 60 e 70, o termo "hacker" surgiu com entusiastas da computação que exploravam sistemas para entender seu funcionamento. Não havia distinção clara entre hackers éticos e não éticos nesta fase inicial. E a partir de 80, com o aumento de atividades ilegais de cibercriminosos, como a disseminação de vírus e invasões de sistemas, a necessidade de hackers éticos se tornou evidente. Empresas começaram a contratar especialistas para testar a segurança de seus sistemas.
No anos 2000 em diante ohacker ético ganhou reconhecimento oficial como uma disciplina importante na segurança cibernética. Organizações começaram a adotar padrões de teste de penetração e criaram códigos de ética. Certificações, como a C|EH (Certified Ethical Hacker), foram desenvolvidas para validar as habilidades dos profissionais.
Com o passar do tempo, foi tornando cada vez mais essencial na identificação e correção proativa de vulnerabilidades em sistemas e redes. A atuação dos hackers éticos se tornou fundamental para garantir a confidencialidade, integridade e disponibilidade dos recursos digitais a partir dos testes práticos.
Habilidades e Qualificações para Cibersegurança
Ser um hacker ético é uma profissão que pode ser desafiadora e exige conhecimentos avançados em diversas áreas. Vejamos alguns dos principais:
- Liguagens de programação: são essenciais para entender e manipular o código-fonte de aplicações, sistemas e dispositivos. Um hacker ético deve dominar pelo menos uma linguagem de alto nível, como Python, Java ou C#, e uma de baixo nível, como Assembly ou C. Além disso, deve estar atualizado com as novas tendências e vulnerabilidades das linguagens mais usadas. (SEITZ, Justin. Black Hat Python, 2nd Edition: Python Programming for Hackers and Pentesters, 2021)
- Redes de computadores e protocolos: são a base da comunicação entre máquinas e servidores na internet. Um hacker ético deve conhecer os conceitos e as técnicas de redes, como endereçamento IP, roteamento, firewall, VPN, NAT, etc. Também deve saber como analisar e interceptar pacotes de dados usando ferramentas como Wireshark, Nmap ou Tcpdump. Além disso, deve entender os protocolos mais comuns, como TCP/IP, HTTP, FTP, SMTP, etc., e suas vulnerabilidades. (TANENBAUM, Andrew. Redes de Computadores, 2021)
- Ferramentas e técnicas de hacking: são os recursos que um hacker ético utiliza para realizar testes de invasão, auditorias de segurança e análises forenses. Um hacker ético deve saber como usar ferramentas como Metasploit, Burp Suite, Kali Linux, etc., para explorar falhas em sistemas e aplicações. Também deve conhecer as técnicas de hacking mais comuns, como phishing, brute force, SQL injection, XSS, etc., e como se proteger delas. (FRAGA, Bruno. Técnicas de Invasão: Aprenda as técnicas usadas por hackers em invasões reais)
- Conhecimento de sistemas operacionais: são os programas que gerenciam o funcionamento dos computadores e dispositivos. Um hacker ético deve ter familiaridade com os principais sistemas operacionais do mercado, como Windows, Linux e MacOS, e suas características, vantagens e desvantagens. Também deve saber como configurar e administrar esses sistemas e, principalmente, saber como identificar e suas vulnerabilidades. (TANENBAUM, Andrew. Sistemas Operacionais Modernos, 2015)
- Pensamento crítico e criativo: são as habilidades que um hacker ético deve desenvolver para resolver problemas complexos e encontrar soluções inovadoras. Um hacker ético deve ter uma mente aberta e curiosa, que questiona tudo e busca aprender sempre mais. Também deve ter uma visão estratégica e analítica, que planeja e executa seus projetos com eficiência e segurança. Além disso, deve ter uma atitude ética e responsável, que respeita as leis e os direitos dos outros.
- Banco de dados: são os sistemas que armazenam e organizam os dados em estruturas lógicas. Um hacker ético deve conhecer os conceitos e os tipos de banco de dados, como relacional, orientado a objetos ou NoSQL. Também deve saber como projetar e modelar um banco de dados usando ferramentas como SQL ou MongoDB. Além disso, deve saber como acessar e manipular os dados usando linguagens de consulta, como SQL ou MongoDB.
- LGPD/GDPR: são as leis que regulam a proteção de dados pessoais na internet. Um hacker ético deve conhecer os princípios e as normas dessas leis, bem como as sanções aplicáveis em caso de violação. Também deve saber como implementar medidas de segurança adequadas para garantir a privacidade e a integridade dos dados dos usuários. Além disso, deve estar atento às mudanças e atualizações dessas leis no Brasil e no mundo.
Além disso, existem diversas certificações que podem auxiliar o profissional a se destacar no mercado de trabalho como hacker ético. Algumas delas são:
- Certified Ethical Hacker (CEH): é uma certificação oferecida pelo EC-Council que aborda os conceitos e ferramentas básicas para realizar testes de intrusão em sistemas e redes. O candidato precisa passar por um exame de 125 questões de múltipla escolha em quatro horas. O CEH é uma das certificações mais antigas e populares na área de hacking ético. (https://www.eccouncil.org/programs/certified-ethical-hacker-ceh/)
- Offensive Security Certified Professional (OSCP): certificação oferecida pela Offensive Security que avalia as habilidades práticas do candidato em realizar ataques reais contra sistemas e redes vulneráveis. O candidato precisa realizar um exame prático de 24 horas, onde deve invadir vários alvos e enviar um relatório detalhado das suas ações e recomendações. O OSCP é uma das certificações mais respeitadas e desafiadoras na área de hacking ético. (https://www.offensive-security.com/pwk-oscp/)
- CompTIA Security+: aborda os conceitos fundamentais de segurança da informação, como criptografia, controle de acesso, gestão de riscos, entre outros. O candidato precisa passar por um exame de 90 questões de múltipla escolha e baseadas em cenários em 90 minutos. O Security+ é uma certificação básica que serve como pré-requisito para outras certificações mais avançadas na área de segurança da informação. (https://www.comptia.org/certifications/security)
- Certified Information Systems Security Professional (CISSP): é oferecida pelo (ISC)² que aborda os domínios do Common Body of Knowledge (CBK) da segurança da informação, como arquitetura e engenharia de segurança, gestão de identidade e acesso, segurança de software, entre outros. O candidato precisa passar por um exame adaptativo de 100 a 150 questões em três horas e ter pelo menos cinco anos de experiência profissional na área. É bastante reconhecida e valorizada na área de ciberseguranca. (https://www.isc2.org/Certifications/CISSP)
- Certified Information Systems Auditor (CISA): oferecida pelo ISACA que aborda os processos e práticas de auditoria de sistemas de informação, como planejamento e execução de auditorias, governança e gestão de TI, proteção de ativos de informação, entre outros. O candidato precisa passar por um exame de 150 questões de múltipla escolha em quatro horas e ter pelo menos cinco anos de experiência profissional na área. O CISA é uma das certificações mais requisitadas para os profissionais que atuam como auditores ou consultores de segurança da informação. (https://www.isaca.org/credentialing/cisa)
Fases do Ethical Hacking
O processo de Ethical Hacking é meticuloso e segue uma série de fases bem definidas e acordadas para garantir uma avaliação completa da segurança de um sistema ou rede. Cada fase desempenha um papel fundamental na identificação de vulnerabilidades. Abaixo, detalharemos cada uma dessas fases:
- Fase de Reconhecimento: também conhecida como “recon”, o ethical hacker busca identificar o alvo e coletar informações básicas sobre ele, como endereço IP, domínio, sistemas, serviços etc. O objetivo é obter uma visão geral do ambiente e planejar os próximos passos. Isso é feito principalmente por meio de técnicas passivas, como pesquisa na web, redes sociais, varredura de DNS e consulta a registros públicos ou técnicas como varredura de portas e análise de metadados de documentos obtidos pela internet.
- Fase de Escaneamento e Enumeração: No “scanning”, o hacker começa a realizar testes ativos no alvo utilizando ferramentas e técnicas de escaneamento de portas e serviços para identificar serviços em execução, encontrar portas abertas e determinar quais sistemas estão disponíveis para interação. A na "enumeração" é onde ele tenta obter informações detalhadas sobre os sistemas e serviços, como versões de software, configurações de segurança e nomes de usuários.
- Fase de Exploração: é a parte mais crítica do processo de Ethical Hacking, onde se tenta explorar as vulnerabilidades encontradas nas fases anteriores, utilizando ferramentas e técnicas para obter acesso não autorizado aos dados e recursos desejados. O objetivo é comprometer a segurança do alvo e demonstrar o impacto do ataque com a obtenção de credenciais de acesso, controle sobre sistemas ou até mesmo acesso total à rede. Nesta etapa podem ser usados exploits, que são códigos ou técnicas específicas projetadas para aproveitar falhas de segurança conhecidas.
- Fase de Manutenção de Acesso: Nesta etapa, o hacker já invadiu o sistema e busca manter o acesso não autorizado sem ser detectado. Isso envolve a criação de backdoors e rootkits, alterações sutis nos sistemas e monitoramento constante para evitar a detecção pelas defesas de segurança. O objetivo é garantir que o ethical hacker possa retornar ao alvo sempre que quiser.
- Fase de Relatório: Aqui é o final do processo, onde o profissional documenta todas as descobertas, vulnerabilidades exploradas, as ações realizadas durante o teste de penetração (pentest) e as evidências do ataque. Um relatório detalhado é criado para que a organização possa entender as ameaças à sua cibersegurança e tomar medidas corretivas para mitigar esses riscos. O relatório deve ser claro e conciso para que o cliente alvo possa tomar as medidas necessárias para mitigar essas falhas.
Técnicas e Ferramentas
Existem diversas ferramentas que são utilizados pelos hackers éticos. Mas, sem sombras de dúvidas, o sistema operacional que ele usa para executar os testes pode ajudá-lo muito. Existem sistemas operacionais específicos para pentest, como o Kali Linux e o Parrot, que já vêm com centenas de ferramentas pré-instaladas e configuradas para facilitar o trabalho do pentester. Existem também sistemas focados na privacidade, como o Tails. Esses sistemas podem ser usados tanto em máquinas virtuais quanto em dispositivos portáteis, como pendrives ou cartões SD e através deles podem ser executadas diversas técnicas. Algumas dessas técnicas e ferramentas são:
- Varredura de Rede: Ferramentas como o Nmap são usadas para identificar quais hosts estão ativos na rede, quais portas estão abertas e quais serviços estão rodando em cada host.
- Exploração: Ferramentas como o Metasploit que permite explorar vulnerabilidades em sistemas e aplicações, usando módulos de exploração, payloads, encoders e shells reversas.
- Análise de Tráfego: O Wireshark que permite capturar e examinar o tráfego de rede, podendo identificar protocolos, hosts, portas, dados e possíveis anomalias.
- Teste de Aplicativos Web: Ferramentas como o Burp Suite são usadas para testar a segurança de aplicações web, que permite interceptar, modificar e enviar requisições HTTP, além de realizar análises automáticas e manuais de vulnerabilidades.
- Teste de Senhas: Ferramentas como o John the Ripper podem ser usadas para quebrar senhas, que usa diferentes métodos de ataque, como força bruta, dicionário e rainbow tables.
- Quebra de Criptografia: Ferramentas como o Hashcat podem quebrar hashes de senhas e criptografia.
- Engenharia Reversa: Ferramentas como o IDA Pro são usadas para analisar malware e aplicativos para encontrar vulnerabilidades.
Ética e Responsabilidade
É importante termos em mente que o que difere um hacker white hat e de um black hat é algo puramente conceitual: a ética. Embora os ethical hackers utilizem suas habilidades para explorar vulnerabilidades, é vital que sigam princípios e diretrizes éticas, como:
- Consentimento: O hacker ético deve obter permissão explícita do alvo para realizar testes de penetração em sistemas, redes ou aplicativos. Qualquer teste sem permissão é considerado ilegal.
- Transparência: É importante que o hacker revele claramente suas intenções e a extensão de suas atividades durante o teste. Isso evita mal-entendidos e preocupações legais.
- Confidencialidade: devem manter a confidencialidade das informações que obtêm durante os testes. Isso inclui dados sensíveis e detalhes sobre vulnerabilidades.
- Integridade: Eles não devem modificar ou danificar sistemas ou dados durante os testes, a menos que seja necessário para demonstrar uma vulnerabilidade e esteja em comum acordo.
- Responsabilidade Legal: Eles devem cumprir todas as leis e regulamentos relacionados à cibersegurança em suas jurisdições.
Tendências da Cibersegurança
Os profissionais de segurança, incluindo os hackers éticos, desempenham um papel vital na sociedade moderna. Eles ajudam a garantir a integridade da infraestrutura global, protegendo sistemas, redes e informações contra ameaças cibernéticas, garantindo os direitos e interesses dos cidadãos, das organizações e do Estado. Além disso, educam organizações e indivíduos sobre as melhores práticas de segurança cibernética, promovendo uma cultura de segurança.
Este campo de ethical hacking da cibersegurança está em constante evolução e enfrenta novos desafios e oportunidades com os avanços tecnológicos que afetam a sociedade. Algumas das tendências que podem impactar o trabalho do hacker são, por exemplo, o crescimento da internet das coisas (IoT), que conecta cada vez mais dispositivos inteligentes à rede, como carros, geladeiras, relógios, etc, ampliando a superfície de ataque e cria novas vulnerabilidades para os sistemas e o desenvolvimento da inteligência artificial (IA), que pode ser uma aliada ou uma inimiga da cibersegurança.
Por um lado, a IA pode ajudar o hacker éticos a detectar e corrigir falhas de segurança de forma mais rápida e eficiente, usando técnicas como machine learning, análise de dados ou reconhecendo padrões. Por outro lado, a IA também pode ser usada por hackers maliciosos para criar ataques mais sofisticados e adaptativos, usando técnicas como deep learning, desenvolvimento de malwares sofisticados e adaptativos para burlar detecções, e até na engenharia social.
Conclusão
Nesta constante evolução da cibersegurança, o papel do hacker ético é vital. O hacking, baseado em princípios éticos e responsabilidade, desempenha um papel crítico na proteção de sistemas, redes e aplicativos contra ameaças cibernéticas em constante mutação.
A ética e a responsabilidade são o que diferem um hacker ético de um criminoso, garantindo que todas as atividades sejam realizadas dentro dos limites legais e de acordo com diretrizes éticas e acordadas com o alvo.
Olhando para o futuro, a cibersegurança enfrenta desafios crescentes, incluindo o uso da inteligência artificial na criação de malwares. A IA pode ser uma ferramenta poderosa tanto para defensores quanto para atacantes, tornando a batalha pela segurança cibernética mais complexa e dinâmica.
Em última análise, os ethical hackers desempenham um papel crucial na defesa da nossa infraestrutura digital global. Eles estão na linha de frente da luta contra ameaças cibernéticas e continuam a se adaptar e evoluir para enfrentar os desafios do mundo digital em constante mudança. À medida que a tecnologia avança, a ética e a responsabilidade permanecem como os alicerces que sustentam a cibersegurança e garantem um futuro digital mais seguro para todos.
Referências Bibliográficas
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- ERICKSON, Jon. Hacking: A Arte de Invadir. Rio de Janeiro: Alta Books, 2006.
- MCCLURE, Stuart; SCAMBRAY, Joel; KURTZ, George. Hacking Exposed 7: Network Security Secrets and Solutions. 7. ed. Nova York: McGraw-Hill, 2012.
- EC-Council (2020). Certified Ethical Hacker (CEH) v11 - Official Courseware. EC-Council Press.
- Hadnagy, C., & Wilson, J. (2018). The art of invisibility: the world's most famous hacker teaches you how to be safe in the age of Big Brother and big data. Little, Brown and Company.
- Harris, S. (2016). CISSP all-in-one exam guide. McGraw-Hill Education.
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